Prescrição de antibióticos por enfermeiros: polêmica, legalidade e o que muda na prática de Enfermagem

Recentemente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou uma medida que permite incluir o registro profissional dos enfermeiros no Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC), possibilitando que farmácias aceitem antibióticos prescritos por esses profissionais. Essa decisão gerou forte reação do Conselho Federal de Medicina (CFM), que solicitou a imediata revogação da norma. Para estudantes e profissionais de enfermagem, esse debate é crucial, pois envolve aspectos legais, éticos e práticos da profissão, assim como implicações diretas na saúde pública, especialmente no combate à resistência antimicrobiana.

Contexto legal: leis e regulamentos em jogo

A discussão gira em torno de algumas normas e leis fundamentais. O CFM sustenta que a prescrição de antibióticos pressupõe diagnóstico clínico — ato que, segundo a Lei nº 12.842/2013 (Lei do Ato Médico), é atribuição privativa do médico. Enquanto isso, o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) argumenta que os enfermeiros já têm respaldo legal para prescrever medicamentos em programas de saúde pública ou rotinas institucionais, conforme previsto pela Lei nº 7.498/1986 e Decreto nº 94.406/1987. O ponto de controvérsia é se a inclusão no SNGPC configura uma autorização irrestrita de prescrição, ou se permanece dentro dos limites de protocolos previamente estabelecidos.

Argumentos do CFM: riscos apontados e preocupações

O CFM apresenta diversos argumentos contrários à medida da Anvisa. Ele aponta que enfermeiros não teriam a formação adequada para diagnosticar doenças ou escolher corretamente um tratamento antimicrobiano, atividades essas que envolvem avaliações clínicas complexas. Há também alerta para a possível ampliação do uso inadequado de antibióticos, o que poderia agravar o problema da resistência antimicrobiana — já considerada uma das maiores ameaças globais à saúde pública. Outro ponto enfatizado é a falta de mecanismos claros de fiscalização e controle, o que, na visão do CFM, pode resultar em prescrições fora de protocolos, danos à população e aumento de custos hospitalares.

Defesa do Cofen: respaldo legal, prática já existente e ampliação do acesso

O Cofen contrasta os argumentos do CFM com evidências de que enfermeiros já prescrevem medicamentos em várias situações reguladas — programas de tuberculose, hanseníase, infecções sexualmente transmissíveis, por exemplo — com protocolos claros e sob supervisão. A defesa é de que a nova medida da Anvisa nada mais é do que uma formalização de algo que já existe, agora incluindo essa prescrição no SNGPC, o que também permitiria melhor registro, monitoramento e transparência. Além disso, o Cofen destaca que em regiões remotas ou com escassez de médicos, a atuação desses profissionais pode ampliar a resolutividade dos serviços de saúde, facilitando o acesso a medicamentos essenciais.

Impactos práticos para a atuação de enfermagem

Se mantida a norma da Anvisa, haverá mudanças concretas na prática profissional de enfermagem. Alguns impactos possíveis:

  • Ampliação de autonomia e responsabilidade: enfermeiros que atuarem em locais com protocolos bem definidos poderão prescrever antibióticos conforme as normas, o que exige bom domínio de farmacologia, avaliação clínica, vigilância de efeitos adversos e resistência bacteriana.

  • Necessidade de capacitação: para garantir segurança, será fundamental investir em formação continuada, atualização de protocolos, supervisão técnica e sistemas de apoio.

  • Registro e monitoramento: a inclusão no SNGPC implica que as prescrições sejam registradas, o que ajuda no controle do uso de antimicrobianos, na rastreabilidade e auditoria.

  • Diversificação de locais de atendimento: farmácias privadas, regiões com poucos médicos e unidades de saúde com estrutura limitada poderão se beneficiar, se houver protocolos bem regulados.

  • Desafios éticos e legais: atuação fora de protocolos, possíveis conflitos entre atribuições médicas e de enfermagem, responsabilidades jurídicas em caso de erro, entre outros.

Desafios e riscos a serem gerenciados

Apesar do potencial positivo, há riscos e desafios que precisam ser considerados para que a medida seja implementada com segurança:

  • Definição clara de protocolos clínicos para uso de antibióticos por enfermeiros, com critérios diagnósticos bem delineados.

  • Fortalecimento da supervisão e fiscalização para evitar abusos, prescrições incorretas ou risco de danos ao paciente.

  • Monitoramento contínuo da resistência antimicrobiana, usando dados do SNGPC e de outras redes de vigilância.

  • Garantia de que todas as normas legais sejam respeitadas, inclusive as delimitações das competências profissionais previstas em lei.

  • Transparência na comunicação com a população para evitar confusão ou desinformação sobre quem pode prescrever medicamentos e sob quais condições.

Conclusão

A recente medida da Anvisa que permite enfermeiros prescreverem antibióticos, ao reconhecer seu registro no SNGPC, representa uma mudança significativa no cenário da saúde brasileira. Para a enfermagem, pode representar avanço, reconhecimento profissional e ampliação do acesso à assistência, especialmente em áreas carentes. Mas o sucesso dessa mudança dependerá de regulação clara, formação adequada, protocolos bem estabelecidos e fiscalização rigorosa. Se esses elementos forem garantidos, poderá haver ganhos importantes para a saúde pública; caso contrário, o risco de consequências negativas, como uso incorreto de antibióticos e agravamento da resistência antimicrobiana, será real.

Referências
  • Conselho Federal de Medicina (CFM) — Nota solicitando revogação da medida da Anvisa sobre prescrição de antibióticos por enfermeiros.

  • Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) — Nota de esclarecimento: prescrição de medicamentos por enfermeiros é segura, resolutiva e tem respaldo legal.

  • Anvisa — decisão que permite registro de enfermeiros no SNGPC e discussão sobre prescrição de antimicrobianos.