Quando o socorro vira tragédia: o caso da criança e os riscos da adrenalina


No fim de novembro de 2025, um menino de 6 anos internado em um hospital de Manaus morreu após receber doses de adrenalina por via intravenosa — em um quadro inicialmente de suspeita de laringite e tosse seca. A prescrição era equivocada: a medicação, indicada para nebulização em distúrbios respiratórios leves, foi administrada diretamente na veia. Após a primeira dose, a criança apresentou piora súbita, foi levada à UTI e sofreu múltiplas paradas cardiorrespiratórias, vindo a óbito. A médica admitiu o erro de prescrição, e a equipe de enfermagem seguiu a orientação registrada.
Esse caso chocou a comunidade e evidencia de forma dramática o quanto a adrenalina — quando usada de forma equivocada — pode representar risco grave, especialmente em pediatria. Para profissionais de enfermagem, é um alerta urgente: cada medicação de risco exige cautela máxima, consenso de equipe, checagem rigorosa da via, dose e indicações, além de ética e responsabilidade no cuidado.
A adrenalina: para que serve — e por que é arriscada
A adrenalina (epinefrina) é um fármaco essencial em diversas situações de emergência: choque anafilático, obstrução severa das vias aéreas, broncoespasmo grave, parada cardíaca, entre outras. Age estimulando receptores α e β-adrenérgicos, provocando vasoconstrição, aumento da frequência cardíaca e da contratilidade, broncodilatação e reversão de edema de vias aéreas.
No entanto — e é aí que mora o perigo — essa “força” da adrenalina exige uso correto. A via de administração, a dose, o contexto clínico, a monitorização e o preparo da equipe são determinantes para que seu efeito seja terapêutico — e não letal. Quando administrada por via intravenosa sem indicação e em dose elevada, a adrenalina pode provocar arritmias graves, colapso cardiovascular, edema pulmonar, insuficiência cardíaca, choque e parada cardiorrespiratória. Há relatos na literatura médica de overdose acidental, inclusive em crianças, com consequências potencialmente fatais.
Um estudo publicado descreve caso de um menino de 12 anos que, após receber dose excessiva de epinefrina por via intravenosa — confundida com anafilaxia — sofreu insuficiência cardíaca aguda e edema pulmonar, com colapso respiratório e circulatório. Apesar de a criança ter sobrevivido, o episódio ilustra o quão perigosa pode ser a administração errada da substância.
O papel da enfermagem: prevenção, segurança e vigilância constante
Para que a adrenalina seja usada com segurança, a equipe de enfermagem — assim como demais profissionais de saúde — deve estar plenamente consciente dos riscos e protocolos. Algumas medidas essenciais:
Verificar indicação e via correta: confirmar sempre se o paciente necessita de adrenalina, por qual via (IM, nebulizada, IV apenas em contexto de reanimação) e se a dose prescrita condiz com peso e idade.
Checar prescrição e comunicação interdisciplinar: em casos de medicações de alto risco, é recomendável reconfirmação da prescrição, especialmente se for via intravenosa — considerar dupla checagem, envolvimento de farmacêutico quando disponível.
Utilizar protocolos e boas práticas em emergências: em anafilaxia, por exemplo, a via intramuscular é a preferida, salvo em situações extremas com suporte avançado. Admiração IV deve ser feita apenas com equipe treinada e monitorização contínua.
Monitorização rigorosa após administração: pressão, pulso, ritmo cardíaco, saturação de O₂, perfusão, sinais neurológicos — frequentemente, complicações surgem minutos após a administração.
Educação e comunicação com a família: explicar riscos e benefícios, registrar consentimento quando possível, garantir clareza no plano terapêutico e informar a família sobre sinais de alerta.
Ambiente preparado para ressuscitação: em setores de urgência/emergência, ter desfibrilador, material para suporte avançado de vida, acesso venoso de calibre adequado, recursos para ventilação e monitorização disponíveis e funcionando.
Lições do caso e recomendações para evitar tragédias
O caso da criança em Manaus mostra, de forma trágica, as consequências de erros de prescrição e administração — mas oferece lições valiosas para profissionais da saúde:
Nunca subestime a adrenalina: embora essencial, é uma medicação de risco elevado.
Checagem dupla salva vidas: especialmente em uso pediátrico, onde doses devem ser calibradas com precisão.
Capacitação e treinamento contínuo são obrigatórios: simulações, cursos de urgência e emergência, com ênfase no uso seguro de medicações de alto risco.
Trabalho em equipe e responsabilidade compartilhada: equipe de enfermagem, médicos, farmacêuticos — todos devem estar alinhados quanto às indicações, vias, doses e riscos.
Vigilância pós-administração: observação constante, registro adequado e prontidão para reanimação.
Conclusão
A adrenalina continua sendo uma ferramenta vital da medicina de urgência — mas seu uso exige respeito absoluto às regras de segurança. O erro, negligência ou desatenção podem transformar um socorro em tragédia. Para a enfermagem, o caso recente deve reforçar o compromisso com a técnica, a ética e a vigilância contínua. Cada dose, cada via de administração, cada decisão importam — e podem fazer a diferença entre salvar e perder uma vida.
Referencias
Polícia Civil do Amazonas. Caso da criança de 6 anos que morreu após administração de adrenalina intravenosa.
“Adrenalina: o que é e como deve ser usada — substância que causou morte de criança.” Abril / Veja Saúde.
Relato de “Life-Threatening Accidental Intravenous Epinephrine Overdose in a 12-Year-Old Boy.” PubMed, 2019.
Revisão sobre uso correto de epinefrina em anafilaxia: recomendações de via intramuscular e doses seguras.
