Cigarro tradicional e vape aumentam o risco de diabetes

O uso de cigarros convencionais e cigarros eletrônicos (“vapes”) tem sido associado a diversos malefícios à saúde: doenças respiratórias, cardiovasculares, cânceres, entre outros. Agora, estudos recentes apontam para mais uma grave consequência: o risco aumentado de desenvolver pré-diabetes e diabetes tipo 2. Isto representa uma nova dimensão da ameaça do tabagismo e do uso de vaporizadores – não mais apenas como fator de irritação pulmonar ou dano cardiovascular, mas também como agente que compromete o metabolismo da glicose.

Para estudantes e profissionais de enfermagem, compreender essas novas evidências é essencial não só para orientar pacientes, mas também para identificar sinais precoces, intervir, prevenir complicações e colaborar em estratégias coletivas de promoção à saúde.

Evidências recentes: o que os estudos mostram

Um estudo publicado recentemente — acompanhado por reportagens em diversos veículos — demonstrou que o uso de cigarros convencionais está associado a um risco de cerca de 15% maior de desenvolver pré-diabetes em comparação a pessoas que não fumam. Já para usuários de vape, esse risco de pré-diabetes é estimado em 7%. Quando o indivíduo usa ambos, cigarro tradicional e vape, o risco salta para 28%.

Além disso, tanto fumantes tradicionais quanto usuários de vape apresentaram chance aumentada, embora menor, de ter diagnóstico de diabetes em geral — algo em torno de 7-9% comparado a não-usuários.

Esses percentuais, embora pareçam modestos, representam impactos populacionais importantes quando se considera o número de pessoas que fumam ou vaporizam, especialmente entre jovens, e os diagnósticos tardios de diabetes, cujas complicações podem ser graves.

Mecanismos fisiológicos: por que fumar ou vapear pode tornar você mais propenso ao diabetes

Há diversas vias sugeridas pela literatura científica que explicam como o tabagismo e a vaporização contribuem para resistência à insulina, hiperglicemia e, eventualmente, o desenvolvimento de diabetes tipo 2. Aqui estão alguns mecanismos principais:

  • Nicoti na e substâncias tóxicas: tanto no cigarro convencional quanto nos líquidos de vape há nicotina, que estimula a liberação de hormônios do estresse como adrenalina e noradrenalina. Esses hormônios interferem na ação da insulina, elevando a glicemia. Além disso, nos cigarros comuns, há milhares de outras substâncias tóxicas e oxidantes que promovem inflamação crônica.

  • Estresse oxidativo e inflamação: esses são processos centrais no dano celular. Fumar aumenta a produção de radicais livres, promove dano às células β do pâncreas (que produzem insulina), além de gerar inflamação sistêmica, o que reduz a sensibilidade insulínica.

  • Ganho de peso e distribuição de gordura corporal: paradoxalmente, embora algumas pessoas esperem perda ou manutenção de peso com fumar, há evidências de que fumantes ou usuários de vape têm maior probabilidade de acúmulo de gordura visceral (ao redor dos órgãos internos), o que está fortemente associado à resistência à insulina.

  • Impacto metabólico do vape: embora menos estudado do que no tabagismo convencional, o vape parece induzir alterações de glicose no sangue, possivelmente devido à ação da nicotina, dos flavorizantes, de produtos de degradação do líquido vaporizado e de reações inflamatórias locais ou sistêmicas.

Implicações clínicas: importância da enfermagem na detecção e prevenção

Para a enfermagem, esse tema abre várias frentes de atuação clínica e preventiva que podem fazer diferença:

  • Avaliação regular do risco glicêmico: em anamnese, perguntar sobre uso de cigarro ou vape; em pacientes que fumam ou vapam, estar atento aos sinais de resistência à insulina ou alteração da glicemia, como sintomas de sede, aumento da frequência urinária, maior cansaço. Solicitar, quando possível, exames de glicemia de jejum, hemoglobina glicada ou testes de tolerância, conforme protocolo local.

  • Educação do paciente: orientar sobre os riscos metabólicos do tabagismo e do vape, explicando que não se trata apenas de problemas respiratórios ou pulmonares, mas de risco para doenças que envolvem maior vulnerabilidade, como diabetes, infarto, AVC. Incentivar abandono do hábito e oferecer recursos de suporte (programas de cessação, apoio psicológico).

  • Intervenções de estilo de vida: promover atividades físicas, alimentação saudável, controle do peso corporal, redução de alimentos ultraprocessados, monitoramento de pressão arterial, controle de colesterol, tudo isso em conjunto com cessação do tabagismo/vape.

  • Monitoramento e seguimento: acompanhar pacientes que têm hábitos de fumar/vapear ao longo do tempo para detectar alterações glicêmicas precoces; registrar dados, observar resposta às intervenções.

  • Colaboração interdisciplinar: trabalhar ao lado de médicos, nutricionistas, psicólogos, farmacêuticos para montar planos de cuidado que englobem cessação de tabaco/vape, mudanças de estilo de vida e controle metabólico.

Questões de atenção especial e desafios

Embora os estudos apontem riscos importantes, há também desafios a serem enfrentados:

  • Limitações metodológicas: muitos estudos são observacionais, baseados em autorreferência (autodeclaração de uso de vape ou fumo), o que pode haver viés. Ainda se estuda o impacto a longo prazo do vape, que é mais recente.

  • Variações individuais: fatores genéticos, histórico familiar, presença de comorbidades (obesidade, hipertensão, dislipidemia), níveis de atividade física, dieta, exposição ambiental e socioeconômica têm papel importante. Nem todo usuário desenvolverá diabetes, mas o risco aumenta.

  • Percepção de “menos mal”: muitos usuários de vape acreditam que são alternativas seguras comparadas ao cigarro tradicional. Essa percepção pode retardar a cessação ou reduzir motivação para abandonar. A enfermeira precisa esclarecer isso.

  • Regulação e política pública: dispositivos de vape nem sempre são regulados de forma rigorosa; sabores, conteúdos, marketing podem evadir fiscalizações, especialmente onde leis são frouxas. O controle dessas variáveis é importante para saúde pública.

  • Acesso a recursos de cessação: programas de apoio para parar de fumar ou vapear, psicológico, farmacológico, muitas vezes não são amplamente acessíveis ou bem divulgados, sobretudo em comunidades vulneráveis.

Cenários práticos: casos e exemplos
  • Paciente jovem, fumante leve: mulher de 25-30 anos que fuma 5-10 cigarros por dia ou vape com frequência. Em consulta de rotina, pressão arterial normal, sem sintomas, mas com histórico familiar de diabetes. Enfermagem pode pedir glicemia de jejum, orientar interrupção do hábito, sugerir dieta mais equilibrada e atividade física moderada, acompanhar em várias consultas.

  • Paciente com sobrepeso ou obesidade: homem de 40-50 anos, peso acima da faixa normal, estilo de vida sedentário, fumante ou usuário de vape. Maior risco para resistência insulínica – intervenção robusta: orientação alimentar, perda de peso, monitoramento glicêmico, cessação do tabagismo/vape, suporte psicológico.

  • Ambientes comunitários ou atenção primária: campanhas de educação em UBSs, grupos de apoio para parar de fumar, uso de materiais informativos destacando risco de diabetes, vigilância populacional para identificar prevalência de vape entre jovens, programas escolares de prevenção.

Conclusão

Os estudos recentes que associam o uso de cigarro convencional e do vape ao risco aumentado de pré-diabetes e diabetes tipo 2 reforçam que os prejuízos desses hábitos vão muito além da saúde pulmonar ou cardiovascular. Para a enfermagem, isso representa uma urgente necessidade de ampliação do olhar clínico e preventivo: identificar hábitos de uso, educar pacientes, orientar mudanças de estilo de vida, realizar seguimento e apoiar programas de cessação.

Embora haja lacunas a serem preenchidas — em especial quanto aos efeitos de longo prazo do vape —, já há evidência suficiente para agir. A prevenção precoce pode evitar complicações severas, reduzir custos ao sistema de saúde e melhorar a qualidade de vida de milhares.

Referências
  • Neupane, S. et al. “Combining vaping and smoking may raise risk of diabetes and prediabetes, study finds.” Euronews, 2025.

  • MedicalXpress – “Smoking or vaping may increase risk of diabetes.”

  • Olhar Digital – “Cigarros eletrônicos aumentam risco de diabetes, revela estudo.”

  • CDC – “Diabetes and Smoking.”

  • FDA – “How Smoking Can Increase Risk for and Affect Diabetes.”

  • PubMed – “Smoking and diabetes: mechanistic studies and epidemiology.”